Depois que seu filho nasceu a sua relação com seu companheiro(a/e) já não é mais a mesma? Essa é uma situação bem comum e que não poderia ser diferente. Afinal, quando o filho nasce, o casal que existia antes deixa de existir com a inserção de mais um individuo na unidade. E vamos combinar: não é qualquer indivíduo, mas um que durante anos exigirá atenção integral. Um indivíduo pelo qual vão perder noites de sono, morrer de preocupação e dedicar quase todo o seu tempo livre.
A questão é que essa transformação que ocorre nos casais quando da chegada de um filho, não anula suas individualidades e desejos. Conciliar tudo isso dá um trabalhão e não raro leva a desgastes na relação que podem ser difíceis de serem recuperados. Como fazer para conciliar e manter a harmonia e vida do casal após a chegada dos filhos é a pergunta que vamos tentar responder nesse post. Vem com a gente.
A vida do casal após a chegada dos filhos e os papeis de gênero
Nesse processo de transformação em figura parental, não há dúvidas de que a maior carga recai sobre as mulheres. O se tornar mãe na sociedade patriarcal, ainda significa deixar de lado o papel de mulher e passar a ser a cuidadora, a santa, a imaculada. Aí aquelas que ousarem se levantar contra o script. Logo são taxadas de péssimas mães e outros impropérios. Como se não bastasse à imposição desse papel, sob as mulheres ainda recaem as responsabilidades sobre a administração doméstica. A dupla jornada ainda é uma realidade pra a maioria delas. Pesquisa de 2019 do IBGE apontou que naquele ano as mulheres se dedicavam o dobro de horas aos afazeres domésticos e relacionados à família em comparação aos homens. Logo, se estamos falando de outra forma dos casais se relacionarem após o nascimento dos filhos, é impossível não repensarmos os papéis de gêneros prevalentes em nossa sociedade. Sem a divisão do trabalho e carga mental da administração doméstica e cuidado com os filhos é impossível qualquer transformação.
Assim como também a desconstrução do olhar que vê a mulher apenas como mãe após o parto. Se a mulher é só mãe, não tem como ela ser namorada, esposa, companheira, cônjuge, etc. Elas precisam ter liberdade para viverem sua individualidade sem julgamentos. Essa relação se explicita quando olhamos para a licença maternidade, por exemplo. Em muitos países o período de licença da mulher que tem um filho é muito mais estendido que aquele oferecido na licença paternidade. No Brasil, por exemplo, a licença paternidade é de cinco dias, podendo ser de no máximo 20 dias caso a empresa participe de programa governamental. Assim, na primeira infância do bebê a mãe está muito mais presente que a figura paterna, assumindo, ainda que intencionalmente, o papel da cuidadora, enquanto o homem fica com o papel de cuidador.
Essa reflexão mais uma vez mostra como o feminismo é necessário e potencialmente benéfico a todos, sendo capaz de gestar formas de relações mais saudáveis e capazes de manter o afeto acesso mesmo quando da chegada dos filhos.
Vale ressaltar, contudo, que essa não deve ser uma preocupação apenas das mulheres, pelo contrário. É preciso que os homens também tomem a frente desse processo. Até porque, as mulheres estão exaustas. Isso não significa que a população masculina também não precisa poder exercer sua individualidade após o nascimento dos filhos. De forma geral, contudo, na maioria das unidades familiares isso já acontece. Esse vivenciar da individualidade é fundamental, uma vez que se não formos capazes de nos relacionarmos com nos mesmos, com nossos desejos e vontades, como vamos estar prontos e abertos a se relacionar com o outro?
Embora essa dinâmica seja predominante nos casais e famílias heterossexuais, também pode ocorrer em casais e famílias homoafetivas – sejam aquelas formadas por duas mulheres, dois homens, ou qualquer outro formato de gênero com os quais os membros se identifiquem - casos esses mantenham a estrutura de gênero dominante. Nada disso é um comportamento natural, mas socialmente construído em determinados povos que, através de processos de colonização e imposição, se tornou hegemônico ao ponto de que qualquer questionamento a esses formatos são recebidos como um ataque a própria sociedade. Nunca esquecemos que a mudança é a única certeza e nada é eterno.
Feitas essas considerações, vamos a vida do casal.
A um, a dois, a três (quatro, cinco...)
Já falamos sobre a importância da vivência individual para a harmonia do casal pós-filhos, mas a questão é ainda mais complexa. Quando o filho nasce e a unidade familiar se forma, você passar a ter a vida do indivíduo, do casal e da família. Ao que tudo indica, o grande segredo é equilibrar essas três realidades convergentes. Assim como cada uma das partes precisa ter tempo e momentos para fazer as próprias coisas (e viver suas experiências), não é possível descartar a importância de que essas partes também tenham sua vida a dois. Momentos onde podem ser um casal novamente e não pai(s) e mãe(s).
A gente sabe que com tantos compromissos e correria no dia a dia conquistar esses momentos é difícil, mas não podemos deixar de tentar. A dica aqui é não deixar a vida te levar. Planeje e agende programas a dois, mesmo se ele for ver uma série juntos a noite depois de colocar o filho para dormir. O segredo é descobrir o que ainda satisfaz os dois, ou mesmo se permitir abrir para o universo do outro. Para esses momentos contar tambem com uma rede de apoio faz toda a diferença. É importante que vocês tenham pessoas de confiança com as quais possam deixar seu filho por certos períodos para poder curtir a dois. E não, isso não faz do casal pais e/ou mães piores, desnaturados, irresponsáveis ou o que mais as pessoas amargas gostam de insinuar sobre a parentalidade dos outros. Pelo contrário. Ao exercitar esse lado e aprofundar a relação a dois é quase certo que se tornarão pessoas mais felizes, realizadas e, portanto, pais melhores.
Caso a vida de casal esteja muito estremecida, mas haja desejo de ambas as partes de mudarem esse cenário, uma alternativa interessante é procurar ajudar da terapia de casais. Sim, essa é uma prática que ainda encontra muita resistência, mas assim como a terapia convencional contribui para o autoconhecimento individual, a terapia de casais contribui para o autoconhecimento da vida a dois.
Sim, manter a harmonia e boa relação após o nascimento do filho é um grande desafio – só quem viveu sabe. O importante é não cair no piloto automático, mudando hábitos e criando momentos onde possam ser um e dois novamente, para depois voltarem à vida a três (ou a quatro, cinco, etc.).
Lembre-se: você merece uma via com afeto, desejo e amor, mesmo após a chegada dos filhos.
Até a próxima!