A emergência climática vem despertando em milhões de pessoas pelo mundo a urgência em repensarmos nossos hábitos. Para garantirmos um futuro para a vida, precisamos aprender a viver de forma sustentável e em harmonia com nosso planeta. Essa mudança, contudo, não é fácil. Afinal, é preciso romper com práticas que forma nos ensinadas desde crianças. É necessário se descontruir para construir o novo, o que leva tempo, paciência e gentileza consigo mesmo. Sim, o tempo para mudarmos é curto, mas o pouco que você consiga mudar em seu dia a dia, já é motivo de celebração. Você está caminhando para um modo de vida mais sustentável e cada passo te aproxima desse objetivo.
Existem alguns “pecados da sustentabilidade”, porém, que parecem ser ainda mais difíceis de não cometer. O consumo de moda é um deles. Mesmo sabendo do impacto socioambiental da indústria de moda e vestuário, da importância do consumo consciente e local, às vezes é difícil resistir a uma fast fashion. Se assim como eu você também já se perguntou por que isso acontece, vem comigo que vou tentar te responder.
Entre a razão e o desejo: consumo de moda e sustentabilidade
O consumo é uma necessidade humana. Precisamos consumir os mais variados recursos para sobrevivermos. Acabar com o consumo, portanto, é impossível. É possível, porém, consumirmos – e produzirmos - de outras formas, indo além do cálculo monetário para compreendermos o impacto real do que consumimos. Todas as nossas escolhas de consumo tem consequências nesse mundo. Cada produto produz impactos ambientais em todo o seu ciclo de existência, de modo que uma decisão de compra é um momento carregado de responsabilidades no consumo consciente.
Consumo consciente é sobre consumir o necessário, sempre através de escolhas que causem o menor impacto ambiental possível e que preferencialmente seja sustentável. Adotar o vegetarianismo como habito alimentar por conta do impacto causado pela criação de animais, ainda que aprecie o sabor da carne, é um exemplo de consumo consciente.
E se nem sempre é fácil realizar essa escolha racional, parece que para alguns de nossos hábitos é ainda pior, como no caso do consumo de moda: Eu sei que a indústria da moda é uma das maiores poluidoras do mundo, com uma enorme produção de resíduos – até já escrevi sobre isso no blog. Sei também que o fast fashion além do enorme estrago no meio ambiente, não raro superexplora territórios e mão de obra, como eu escrevi no texto “O movimento Fashion Revolution”.
Aliás, sustentabilidade, moda e consumo, são alguns dos nossos assuntos favoritos, estando presentes em uma série de textos que já publicamos em nosso blog. Entre esses destaco: “O que é consumo consciente?” , ” Pensando no futuro: o que é economia circular?”, “Lowsumerism: o nascer de uma nova forma de consumo” , “Upcycling: uma nova forma de fazer moda” e “O que é Greewashing?” . É bastante informação de qualidade para você que também se interessa pelo tema, não deixe de conferir. Ao longo do tempo, assim como milhares de outras pessoas pelo mundo, venho diminuindo o consumo de roupas e quando compro peças, dou preferência a marcas locais, sustentáveis e com produtos duráveis.
Mas, ainda assim, eu confesso que às vezes é difícil resistir ao encanto das vitrines, manequins e araras. Nesses momentos a gente nem percebe e quando vê já está comprando – só para sentir green guilty minutos depois. Por que isso acontece? Afinal, se eu consigo fazer escolhas racionais de consumo em outros âmbitos, não deveria ter a mesma disciplina quando falamos de moda? De onde vem esse desejo?
Nosso organismo e o consumo de moda
Antes de tudo é preciso recordar que estamos inseridos na sociedade de consumo. Diariamente somos bombardeados por marcas e pessoas tentando nos vender algo, utilizando as mais variadas estratégias para criar demanda. Em seu livro “Vidas para Consumo”, Zygmaunt Bauman, nos explica em como a sociedade de consumo trabalha com o desejo/frustração para se mover. As pessoas não podem parar de consumir, logo elas precisam viver em constante estado de frustração que a impulsione ao desejo de consumir – o que pode ser conquistado com o lançamento contínuo de produtos.
O desenvolvimento de nossos hábitos de consumo dentro do capitalismo, contudo, é uma construção social que se aproveita de características intrínsecas de nossa biologia. E aqui não estamos falando apenas do vício na dopamina – o hormônio do prazer – experimentado com a liberação desse hormônio após cada compra, mas também do próprio funcionamento do cérebro.
O neurocientista francês Sébastien Bohler, vem trazendo novas perspectivas para apontar do porque da tomada de consciência não ser suficiente para mudar nossos hábitos e modo de estar no mundo. O motivo seria fisiológico. O cérebro humano se desenvolveu com apenas um objetivo: a sobrevivência de nossa espécie. Dentro de nosso cérebro contamos com um órgão chamado striatum, que apesar de ser pequeno, governa o nosso comportamento como espécie. Isso porque o stritaum acostumou o nosso cérebro a perseguir cinco objetivos que garantiriam nossa sobrevivência: comer, reproduzir, adquirir poder, expandir o território e se impor perante os outros. Esses objetivos que habitam dentro de nós são mais ou menos regulados pela vida em sociedade e no capitalismo são explorados visando o consumo. Para sobrevivermos precisamos nos reproduzir, para nos reproduzirmos precisamos conquistar um parceire sexual. A moda opera a partir da necessidade biológica que temos de ficarmos atraentes para conquistar parceiro e nos reproduzimos. E não adianta: ainda que já tenha filhos e esteja em um relacionamento, esse desejo é continuo.
E não só isso: as roupas e acessórios são também uma marca de distinção que serve para indicar a posição de um indivíduo na sociedade, de tal forma que a indústria da moda também explora a necessidade de adquirir poder e se impor perante os outros. A soma desse comportamento natural, com organismos cada vez mais dependentes de dopamina e a busca infinita pelo lucro promovido pelo capitalismo, leva ao cenário ideal para o desenvolvimento do consumismo, que contamina a todos que vivem essas sociedades em maior ou menor medida.
Assim os fatores sociais e fisiológicos são grandes desafios para construirmos em definitivo uma nova relação e forma de consumir moda. Você pode ter plena consciência de quanto à indústria é nociva ao planeta, ainda assim vez ou outra pode cometer um deslize.
Não se torture com a culpa se um dia você não resistir a uma liquidação ou a uma roupa na vitrine. Acredite, vai acontecer. O importante é manter-se vigilante e fazer com que a maioria das suas decisões de compra esteja alinhada a sustentabilidade. Vou confessar: quando descobri essa informação de um alívio aqui que nossa. Afinal, construir outro futuro para a humanidade é também sobre saber se respeitar.
Até a próxima!