O natal é uma época, digamos, confusa. Ao mesmo tempo em que a data é envolta em todo um discurso voltado a valorização da família e das pessoas queridas e o cultivo dos melhores valores cristãos – como o perdão, o amor ao próximo, etc -, o consumo explode. Pergunte para qualquer criança o que elas mais gostam do natal, e a resposta provavelmente serão os presentes que elas ganham. Quando adultos, os presentes ficam lado a lado ao exagero gastronômico que invadem as ceias.
Veja bem, esse não é um artigo anti-natal. Não pretendo aqui fazer um ataque direto a essa que talvez seja uma a maior festividade global. Eu amo o Natal e poder celebrar essa data com minha família. Especialmente nesse ano 2020 que foi tao dificil para todos nos. Mas quando uma festa de origem religiosa se torna a mais importante no ano para o comércio, com um enorme impacto na economia, é preciso parar para pensar. Em 2019 a previsão da Confederação de Dirigentes Lojistas (CDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) foi de que o natal movimentaria R$ 60 bilhões, com 77% da população comprando presentes há um gasto médio de R$ 1.250,00. Vale lembrar que esses números poderiam ser ainda maiores se o país estivesse recuperado da dura crise econômica que o atingiu e deixou milhões de desempregados a partir de 2015.
Se a expectativa se cumpriu? É meio difícil avaliar, já que houve uma grande divergência de dados entre associações de lojistas. Existem até analises que dizem que as vendas diminuíram em relação a 2018. E quando ocorre queda nas vendas em um ano no Natal, não tardam a soar as trombetas do apocalipse. Como se a economia e a sociedade tivessem falhado e um futuro sombrio esperasse a todos. O problema todo é: esse modelo de Natal movido pelo consumo frenético e o exagero, já não se encaixa nesse mundo. Essa é uma realidade que precisamos lidar.
Em um mundo em emergência climática, com microplásticos tomando o oceano e uma geração de resíduos que nos últimos 30 anos cresceu três vezes mais que a população urbana, esse modelo desponta como anacrônico e irresponsável. Ainda mais quando falamos de Brasil, o país que, segundo a WWF, é o 4º maior produtor de lixo no mundo. Só de plástico são 2,8 milhões de toneladas descartadas irregularmente todos os anos e no total 7,7 milhões de toneladas de lixo são destinadas a aterros sanitários.
Vamos pensar o seguinte: segundo o Instituto Akatu, 30% de todo o lixo produzido no país são embalagens. É você, leu certo, quase metade dos resíduos que lotam lixões, aterros sanitários e se espalham pelas ruas, rios, córregos e mares, é formado por embalagens. Imagina, então, o que acontece na época de Natal?
O aumento do consumo no modelo atual, onde há baixíssima preocupação socioambiental da maioria das empresas produtoras, leva, obrigatoriamente, ao aumento da produção de lixo. Afinal, o que você vai fazer com todo aquele plástico e papel que embalou os presentes de natal? E se o assunto é desperdício, não podemos nos esquecer das comidas. No Brasil existe uma cultura de exagero alimentar ligada ao natal. É como se depois de ter conseguido sobreviver a mais um ano tivéssemos o direito de nos entupir de comida, mesmo que sejam alimentos que em nada combinam com o calor que costuma fazer no período da festa. Cozinha-se muito, come-se muito e, muita, mas muita mesmo, comida vai parar no lixo, depois de ficar na geladeira esquecida por alguns dias.
Desperdício de comida, aliás, é a regra no país. Segundo estudos da Embrapa e Fundação Getúlio Vargas, o brasileiro tem uma cultura da fartura que é resumida na popular frase “melhor sobrar do que faltar”. O amplo acesso aos alimentos faz com que exista uma ode a fartura, que além de tudo é vista como um indicador de status. O resultado é que todos os anos o Brasil joga no lixo mais de 20 milhões toneladas de comida por perdas e desperdícios. No mundo todo, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), são perdidas 1,3 bilhões de toneladas de alimento, ou 30% da produção mundial. Enquanto isso, 820 milhões de pessoas vivem a fome.
Quando olhamos para tudo isso e sabendo que a humanidade periga viver em um planeta hostil em breve – por culpa de nossas ações – fica claro que precisamos repensar o Natal e construir um Natal Consciente.
Eu sei, porém, que para quem tem filhos essa pode ser uma tarefa muito difícil. Afinal, as crianças são bombardeadas por propagandas e desenhos, além da convivência com os coleguinhas na escola, o hábito construído com os anos... Além do nosso desejo de construir memórias incríveis e curtir as datas especiais com as nossas crias. E aí as mães e pais entram em um dilema como fazer um Natal consciente com filhos sem deixar que a data seja especial? É essa pergunta que eu, como mãe e mais uma angustiada com o futuro do planeta, vou tentar te responder abaixo. Vem comigo!
Construindo um Natal Consciente
Não vou negar que existe na internet uma série de artigos com o mesmo objetivo do meu. Mas você já reparou com algumas dicas são irreais? A não ser que você já tenha uma vida sustentável consolidada, o que, definitivamente, não é o caso da maioria das pessoas. Estamos em um momento de mudança e desconstrução de hábitos, cultura e valores, e esse não é um processo simples que ocorre do dia para a noite. Com duas filhas pequenas e toda a correria doa dia a dia, sei que não vou alcançar o “lixo zero”, assim, do nada. Por isso, procurei dicas que acredito que sejam possíveis de serem realizadas ao mesmo tempo em que se mantém o espírito natalino de comemoração!
1/ Decoração Sustentável – saí o plástico, entra o natural
Quando falamos de consumo no natal é inevitável que a primeira coisa que nos venha a mente seja os presentes e as comidas. Mas não podemos nos esquecer da decoração, que também movimenta um mercado considerável. Um passeio na 25 de Março em São Paulo após o mês outubro é uma mostra.
São milhares de opções e acessórios para decorar a casa do jeito que imaginar. Não achei nenhuma estatística especifica, mas apostaria que mais de 90% das mercadorias nesse caso são feitas ou possuem componentes plásticos. Por isso, um natal consciente começa já na escolha da decoração de sua casa, um item que faz toda a diferença para quem tem crianças em casas. Elas amam as luzes, os enfeites, os papais nóeis, rendas, duendes, etc.
Árvore de natal:
Nas últimas décadas as casas forma invadidas pelas árvores de plástico, especialmente pela facilidade que ela proporciona. Basta tirar da caixa, montar e depois desmontar, guardar e ponto, até ano que vem, sem regas, sem sujeiras e sempre com a mesma aparência. O problema aqui é que a maioria das árvores artificiais é produzida com plástico não renovável. Ou seja, na hora que for para o lixo, ela não poderá ser reciclada e demorará séculos até se degradar. Em média uma família compra uma árvore de plástico a cada seis ou sete anos.
Que tal banir a árvore de plástico de sua casa? Sim, comprar pinheiros naturais com o calor que faz no Brasil não parece fazer muito sentido. Mas quem disse que precisa ser um pinheiro? Use plantas que já possui em sua casa como árvore de natal, fuja do óbvio e inove em sua decoração. E se você quiser ser ainda mais ousado, pode apostar em uma árvore feita inteiramente de garrafa pet , por exemplo.
Enfeites:
Será que você precisa mesmo comprar enfeites novo todos os anos ou não é possível reaproveitar aqueles que já têm em casa? O grande barato é que eles são repletos de histórias e memórias dos natais passados! Tem algum enfeite antigo e que não combina mais com você ou sua casa? Faça uma doação!
Guirlanda:
A guirlanda é um clássico natalino que deixa as portas lindas! Assim como no restante da decoração natalina, atualmente grande parte das guirlandas a venda são de plástico. Para fugir dos polímeros que até 2050 vão ser os donos dos mares, uma boa opção é colocar a mão na massa e fazer uma guirlanda botânica! A incrível Simone da Liricas Botânica ministra workshops onde ensina a fazer esse tipo de guirlanda. Fique atento as redes sociais dela para saber quando e onde serão os próximos! E se você não é muito fã dos trabalhos manuais, mas quer uma guirlanda botânica, minha dica é dar um pulo na maravilhosa Blumenfee Floricultura, no bairro Bixiga em Sao Paulo. A Leda, dona da marca, faz um trabalho que conquista qualquer um.
Mesa:
Vamos lá, um natal consciente em família quer dizer uma mesa de ceia sem exageros, certo? Não é melhor sobrar do que faltar, ambas as coisas são ruins!
Para a decoração, uma boa solução é apostar em elementos naturais, como pinhas, galhos e folhas secas e elementos como potes de vidro, por exemplo. Com criatividade tenho certeza que o resultado será lindo! Para te ajudar na sua decoração sustentável, que pode- e deve - ter elementos reciclados, além dos naturais, separei algumas referências para você no Pintrest do Studio Pipoca, corre lá para ver depois!
2/ Presentes:
Presentes, um dos aspectos mais sensíveis do Natal Consciente para quem tem filhos. Se você está no conflito “quero ser sustentável, mas quer presentar meus filhos”, fica tranquilo que não está sozinho nessa. Minha primeira dica é básica: antes de sair para compras, se planeje! No natal as compras por impulso são muito comuns. Contagiados pelo espírito da época é normal acabar comprando um item que não precisa ou está fora de seu orçamento. Saiba o que comprar, analise necessidades, pesquise marcas, materiais e preços, e se esforce para manter o foco apesar das distrações.
Vou contar para vocês o que eu fiz no natal passado com as minhas pequenas. Eu admito: amo presentear elas. E que mãe não ama? Ver a alegria de uma criança com um presente desejado contagia e deixa o coração quentinho.
O que eu fiz no natal passado
Como já falei lá em cima, eu amo o natal. Ao mesmo tempo, sou uma pessoa que fica angustiada com a situação ambiental do mundo e que acredito muito que precisamos agir agora para garantir nosso futuro. Imagina meu conflito? Em 2019 a minha ideia foi presentear as minhas filhas – que são pequenas - com brinquedos do tipo blocos de montar usados. Recebi os blocos em casa, limpei, esterilizei e embalei em uma caixa de papel, embrulhada em papel craft. Confesso que tive de usar fita adesiva no processo, não era o que eu queria, mas tudo bem. Esse foi um presente conjunto e que tem o lado positivo – para mim – de que as duas podem brincar juntas, desenvolvendo o relacionamento entre elas e o senso coletivo. Além disso, pude reutilizar a caixa para outro propósito.
Além desse presente, acabei comprando um brinquedo novo para cada uma também. Eu acredito que valorizar a individualidade também é muito importante. E foi isso.
Elas adoraram e eu também, afinal, consegui presentar as minhas duas filhas sem exageros e montanhas de presentes, o que também é educativo, uma vez que desde cedo elas vão perceber que não é preciso muito para ter uma data especial. O natal de 2020 já está se aproximando – quando perceber ele já vai estar batendo na sua porta – e te deixo o convite para construir um novo tipo de natal esse ano, um natal consciente! Se você se juntar nessa jornada, não deixe de enviar para a gente as fotos pela nossa página no Instagram, de suas ideias e iniciativas. É compartilhando que a gente cresce juntos! São pequenas soluçoes compartilhadas que mudam o mundo!
Até logo!