Eu lembro perfeitamente do meu primeiro puerpério. Logo que dei a luz, fiquei no hospital por três dias, sem receber nenhuma visita, pois não tenho família no Brasil. Mas apesar disso, no hospital sempre tem algum movimento, com enfermeiras e médicos entrando e saindo do quarto a todo instante. Foi quando voltei para a casa levando comigo um pequeno bebê que ecoou dentro de mim sentimentos de ansiedade e solidão muito fortes. Nessa época o meu marido trabalhava o tempo todo, quase não estava em casa comigo. Confesso: ficar em casa sozinha com a minha filha, sem saber muito bem o que fazer ou como fazer, sem tempo para nada, nem para cozinhar e comer direito, sem dormir, com os hormônios todos alterados e uma forte dor no peito por causa da amamentação, me deixou desesperada por um bom tempo.
A realidade é que eu simplesmente não estava preparada. Não sabia que a amamentação podia ser tão dolorida, que não teria tempo nem para ir ao banheiro com calma, e que sim, a minha saúde mental poderia se deteriorar no início.
Enfrentando o puerpério
Eu tinha me preparado para o parto normal, o que havia sido estressante. Mas no meu caso, o parto foi bem rápido, tranquilo e sem muita dor, e por um momento me senti aliviada. Até pensei que talvez, ser mãe, não fosse tão difícil assim. Que baita engano! O que me aconteceu depois do parto, o primeiro mês com a minha filha em casa, foi bem mais dolorido e demorado que a gestação. Um verdadeiro choque de realidade. Me senti até com/em outro corpo. A barriga ainda estava grande, mas cheia, e eu não entendia muito as transformações que ocorriam.
Não sei dizer se essa experiência poderia ser diferente, mas o que sei é que na sociedade ninguém fala muito desse período. E isso - para mim - foi um problema. Acredito que para muitas mulheres também.
Numa sociedade machista e misógina, a realidade do puerpério não atrai muito interesse. É uma fase nada glamorosa, com dores, sangue, lágrimas, gordura, instabilidade emocional, incontinência urinária, pouco sono, muitas dúvidas e medos. Sabe aquela história de amor incondicional e felicidade plena ao se ter um filho? Ela só existe no mundo ideal. Aquele mesmo mundo onde todas as mulheres têm o poder de se transformar em uma supermulher e resolver os problemas dos filhos, da casa e do marido ao mesmo tempo em que se mantém de bom humor, pleníssima e em forma.
Meu puerpério foi tenso! Se eu soubesse um pouco mais sobre esse período, poderia ter atravessado com mais tranquilidade, menos dúvidas e ansiedade. O que seria ótimo para mim, para a minha filha e para o meu marido.
Teve uma cena que aconteceu comigo que é um bom resumo de todo esse período: Estava no elevador indo passear com a minha filha, quando entrou uma das minhas vizinhas. Quem já saiu com um bebê sabe como eles são imãs para a interação de desconhecidos. Assim que ela me viu, logo perguntou: “Quantos dias tem o seu neném?”. Eu já estava repetindo um mantra interno rogando paciência, a espera de algum daqueles incontáveis conselhos que toda mãe recebe sem pedir, quando ela disse algo que me marcou muito: “O tempo parece parado agora, né? Mas fica tranquila, logo que o primeiro mês terminar, o tempo vai começar a passar muito rápido”. Na hora tive um pouco de dúvidas, mas por dentro, como torci para ser verdade! E foi. O primeiro mês de vida da minha filha pareceu uma eternidade, mas depois disso, entramos em uma rotina – e eu também já estava um pouco mais adaptada ao novo papel.
O primeiro mês foi punk mesmo. Até para passear com ela me sentia sem confiança. Saia de casa torcendo para que ninguém falasse comigo na rua, porque na minha cabeça tinha certeza que só de abrir a boca desconhecidos iriam pensar que eu não era capaz de cuidar de um bebê.
Para piorar, passava as madrugadas com os olhos grudados nas redes sociais, acompanhando o perfil de mulheres belíssimas que exibiam suas barrigas saradas, cara descansada, make e cabelos perfeitos, ornamentados por um grande sorriso estampado no rosto, poucas semanas após dar a luz. Essa sessão de tortura que impunha a mim mesma, só fazia com que eu me sentisse mais para baixo ainda. Me culpava por não conseguir fazer igual e alimentava aquela dúvida interna de se eu tinha mesmo condições de ser mãe, se tinha feito a escolha correta, etc.
É amigos, a cabeça de uma mulher que acabou de ter um filho é um turbilhão daqueles. Quem não tomar cuidado, afunda. Se serve um conselho, não repitam o que eu fiz. Não se comparem a perfis irreais, ninguém precisa disso.
Ainda bem que nos últimos anos movimentos de maternidade real ganharam espaço e junto dele surgiram um monte de perfis maravilhosos que compartilham saberes, empatias e a vida como ela é. É disso que precisamos para enfrentar o puerpério.
As transformações do puerpério
Assim que a mulher acaba de parir, seu organismo inicia uma nova fase de transformações. Em 24 horas o útero inicia sua contração – afinal, ele precisa voltar ao tamanho normal – e o leite começa a ser produzido. E não é só isso, nossos hormônios também são afetados. A produção de estrogênio e da progesterona, caem, favorecendo a instabilidade emocional e o surgimento de quadros como o baby blues e a depressão pós-parto.
O baby blue está completamente ligado a questão dos hormônios, sendo um quadro temporário marcado por um tristeza profunda que dura cerca de duas semanas (mas isso pode variar). Do jeito que ele chega, vai embora. Já a depressão pós-parto está ligada aos antecedentes da mulher e pode se desenvolver para um quadro de depressão profunda. A mãe nessa situação precisa de ajuda profissional.
O problema é que nem os médicos, e nem mesmo as mulheres entre elas, falam muito sobre tudo isso que acontece no pós-parto, por várias razões. É como se fosse um assunto proibido que rompe com o frágil encanto que envolve nossa visão sobre maternidade. A realidade é que as mulheres enfrentam uma sensação de solidão e abandono nesse momento. Enquanto estamos grávidas, temos todos os cuidados do mundo. Depois que damos a luz, não temos nada. Todos se interessam pelo o bebê, mas não pela mulher e sua saúde mental. E aí daquela que reclamar! Será taxada de egoísta, descompensada, insensível ou de péssima mãe. Como se já não duvidássemos de nós mesmo e de nossa capacidade de cuidar dos filhos sem o julgamento dos outros. A realidade é que questionamos até mesmo o que sentimos pelo filho recém-nascido.
E é assim mesmo. Porque no puerpério não estamos apenas passando por grandes transformações fisiológicas, estamos também construindo nossa relação e conexão com nosso filho. É um relacionamento que é nutrido e cresce diariamente.
É por isso que durante esse período deveríamos ter apenas duas preocupações: cuidar do bebê – que chora de 2 a 3 horas por dia – e cuidar de nós mesmas. Para conseguir isso, porém, é preciso ter uma rede de apoio que funcione, o que sei que nem sempre é possível.
Sororidade: quebrando o tabu do puerpério
A internet muitas vezes é um ambiente extremamente tóxico, mas também é um lugar onde encontramos iniciativas incríveis. E quando o assunto é o puerpério, não é diferente. Especialmente nesse momento de fortalecimento das mulheres reais e vidas reais.
Entre as iniciativas que ousaram romper o tabu sobre o período do pós-parto, falando sobre o assunto sem medo e disseminando informação e saber que gostaria de destacar três delas:
No Instagram temos duas contas que de alguma forma abordam o tema: a brasileira Mãe Fora da Caixa , e a estadounidense Take Back Postpartum.
- A mãe fora da caixa é uma conta da Thais Vilarinho focada nos aspectos da maternidade de forma geral. Entre vários conteúdos incríveis, há um destaque nos stories sobre o baby blues que vale muito a pena conferir. Tem bastante informação de qualidade e referências para vocês. Acabei de ler o livro dela "mãe fora da caixa", gostei bastante e acho um presente bacana para qualquer mãe!
- A Take Back Postpartum tem conteúdos variados sobre esse período, com bastante foco no body positive e nas mães reais, um respiro no meio de corpos padronizados e praticamente impossíveis de serem alcançados. Todos os corpos são válidos e lindos.
- A outra iniciativa na que gostaria de destacar surgiu no Twitter, na França: o “#monpostartum” que pode ser traduzido como “o meu puerpério”. A hashtag é usada por mulheres que contam suas experiências reais como esse momento. É um movimento ligado a nova onda do feminismo no país, e foi lançado por iniciativa da socióloga francesa Illana Weizman, com o objetivo de derrubar o tabu sobre o assunto. Esse movimento liberou as palavras das mulheres para falar desse tema com empatia.
Parece improvável que toda essa mudança que estamos vivendo sobre a forma de enxergar o pós-parto pudesse ter surgido sem um fortalecimento da sororidade impulsionado pela nova onda do feminismo que vem chacoalhando o mundo nos últimos anos. Afinal, a compreensão de que a união, fraternidade e solidariedade entre mulheres são necessárias para o enfrentamento das opressões cotidianas, faz com que cada vez mais se fale sobre elas e se busque soluções conjuntas e redes de apoio para enfrentá-las.
A sororidade é potência que transforma. Mas vale lembrar: estamos apenas no começo de um longo caminho a ser percorrido.
O saber liberta
Quando fui dar a luz pela segunda vez fiquei menos estressada – ironicamente dessa vez o parto doeu bem mais – e sabia que eu poderia ficar com um pouco de depressão depois do parto. Saber de como seria, me ajudou muito a me preparar psicologicamente. Assim, eu não assustei as vezes que me senti para baixo. Também decidi não passar tempo nenhum no Instagram, ficando longe do meu celular quando amamentava de madrugada. Me senti confortável no desconforto, mesmo com dores ainda no peito, na vagina, e em todos lugares. Porque eu sabia como ia ser. E o saber, liberta.
O simples fato de saber como ia ser de verdade esse período me ajudou muito. É isto que deveríamos - nós, mulheres, que somos quem passam por isso - mudar na sociedade. Vamos juntas construir um mundo com mais informação e empatia e cuidado com as mulheres que acabam de ter um filho?
E você? Como foi seu puerpério? Compartilha com a gente sua experiência! Quem sabe você não ajuda uma nova mãe que está passando por esse momento agora?
Até a próxima!