Antonia, mãe do Pedro 4 anos. - Studio Pipoca

Antonia, mãe do Pedro 4 anos.

"De diversas formas, mãe é julgada por tudo, seja pela a forma de criar o seu filho, estilo de vida ou profissão. Graças a outras mães pretas e que também trabalham com bebidas eu recebi bastante apoio, mas sim, fui julgada."

Você sempre teve o desejo de ser mãe? Conte um pouco sobre a sua família.

Ser mãe nunca foi um desejo, inclusive, era um dos poucos medos que eu tinha na vida. Primeiro porque, pra quem não gosta de mudança, era assustador pensar o quanto ter um filho provocaria diversas adaptações na minha vida e nos meus sonhos. Segundo: eu sempre associei ser mãe a uma vida de privações mesmo que inconsciente. A minha liberdade é extremamente valiosa, eu lutei muito por ela. Sai de casa cedo com o sonho da independência e da melhoria da minha vida. Cearense na Terra da garoa, com um sonho da prosperidade e realização nem parece que já se passaram mais de 10 anos. Ser mãe, dentro desse grande sonho, talvez o tornasse impossível. E eu morria de medo disso.

Além desses grandes obstáculos, sempre achei que não saberia cuidar e educar uma criança (e vamos combinar que nos tempos atuais, isso está cada vez mais difícil). O que eu não sabia é que essa experiência me faria crescer tanto. Agora os medos são outros e os sonhos estão maiores a cada dia...

Ser mãe na pandemia. Como foi para a sua família atravessar esse momento tão delicado? Acredita que essa realidade que se impôs, mudou alguma coisa na relação de vocês?

Foi intenso, porque não foi algo planejado. Do dia pra noite, as escolas fecharam, a adaptação foi bem difícil porque ele não entendia que eu estava em casa, mas não conseguia ficar com ele, brincar e etc. O volume de trabalho aumentou muito, e com isso veio o estresse. Aquela cobrança, autossabotagem e de quebra crises de ansiedade. Foi aí que eu decidi que teria uma rotina mais organizada, com pausas para ele e pra mim.

Então, acredito que essa situação acabou nos aproximando mais, depois do primeiro ano conseguimos juntos estabelecer uma rotina saudável pra mim e pra ele.

Você é Sommelier! Como nasceu essa paixão pelos vinhos? Já foi julgada por ser mãe e trabalhar com bebidas?

De diversas formas, mãe é julgada por tudo, seja pela a forma de criar o seu filho, estilo de vida ou profissão. Graças a outras mães pretas e que também trabalham com bebidas eu recebi bastante apoio, mas sim, fui julgada. Ser mãe me fez perceber que, se você vai dedicar a maior parte do seu tempo a sua carreira, o mínimo que ela precisa ter é um propósito. Mas o momento 01 no pós maternidade, foi repleto de culpa, foi de ausência desse propósito e questionamentos. E depois da caminhada solitária que é a maternidade, eu despertei. Fui me conhecer e me aceitar. Ser mãe aumenta o nível de exigência, me cobro muito mais, administro melhor o meu tempo para evitar levar trabalho para casa, o meu senso de urgência e objetividade também mudaram.

Passei a questionar a minha carreira assim como muitos outros aspectos da minha vida, questiono todos os dias o quanto o tempo que passo longe dele está me trazendo algo de bom pra mim ou para as pessoas, eu não quero ficar longe do meu filho para fazer algo que não me realize minimamente. Acho que talvez por isso, tantas de nós repensamos a carreira, no plano B, sobre o que faz sentido nessa nova jornada dupla, ou tripla, que seja.

Por isso, resolvi dedicar um pouco do meu tempo a um projeto que sempre tive vontade, mas que fui adiando por falta de confiança em mim ou coragem - acho que um pouco de cada. Hoje me divido entre a maternagem, a publicidade, com o que trabalho há 10 anos, e aos vinhos, uma paixão antiga que finalmente tirei do papel, me formei no curso profissionalizante de Sommelier na ABS. E desde então, me dedico a consultorias, faço eventos e tenho um projeto de montar a minha loja de vinhos.

A gente sabe que a maternidade não é fácil. É um trabalho que exige muito! Além da maternidade, você consegue arranjar algum tempo para você? Como fazer para não esgotar?

Sim, pra mim sempre foi normal ter mais de uma ocupação. Eu funciono bem em meio ao caos, mas o fato de fazer algo que eu gosto de verdade facilita muito. A paixão por aquilo que se faz, quando isso tem um propósito e você sabe o porquê está fazendo, trás a motivação para tirarmos de letra. É cansativo? É! Mas sempre tive muito claro os meus objetivos.

A maternidade me ensinou muito, inclusive que precisamos das nossas pausas. Seja pra fazer xixi sozinha – quem é mãe sabe que isso pode ser impossível – ou para desligar de tudo por alguns minutos e recomeçar. Eu tenho guarda compartilhada, então, nos dias que o Pedro está com o pai dele, eu tiro um tempinho pra cuidar de mim, fazer coisas que eu gosto como, provar alguns vinhos com os amigos, dançar pela a casa, comprar brusinhas (que no meu caso é tênis, sou viciada) – e sempre tento viajar, mesmo que viagens curtas. Sem telefone, ou trabalho.

O Brasil, infelizmente, ainda conta com um profundo racismo estrutural. Como essa realidade afeta a maternidade preta? Seu filho já vivenciou alguma violência do tipo? Conversa com ele sobre esse tema?

O fato de ser uma mulher negra faz com que eu vivencie a gestação desde o início de uma forma diferente. Ainda somos as maiores vítimas de violência obstétrica. Conhecer outras mulheres nas rodas de apoio, e aprender sobre este universo que tanto me assustava fez toda a diferença. O processo de escolha da minha Doula me fez entender que eu não passaria pela as violências que a minha mãe passou, que o meu corpo é perfeito e ele seria o meu maior aliado naquele momento, e o mais importante: o parto era meu, e apenas eu, além do meu filho, deveria decidir como seria. O que mais ouvi foi sobre não romantizar esse momento, acreditem mesmo achando que não o faria, eu fiz. Me entreguei, me frustrei, e renasci com a chegada do Pedro.

Ele ainda não passou (por situações de racismo), mas infelizmente eu sei que vai passar. Por ser um menino negro de pele clara isso acaba acontecendo um pouco mais tarde, mas ele saberá agir e terá todo apoio. O que eu passei ele não vai passar. Ensino ele desde cedo que ele pode ser quem ele é, ele sabe quem é e se orgulha disso, e esse será, com certeza, o meu maior legado.

Trabalho em uma agência de grande porte e trabalho com bebidas, estou em ambientes que teoricamente não são pra mim. Ocupar todos esses espaços abre caminho não só para o meu filho, mas para muita gente que ainda acha que o racismo estrutural dita às regras de suas vidas.

Se você pudesse escolher, qual seria o grande legado que gostaria de deixar para seus filhos? Que mundo você gostaria que eles encontrassem quando adultos?

Acho que respondi um pouco na pergunta acima. Acho que é que ele saiba quem ele é e a força que temos. Faço isso todos os dias, pra que ele veja que vale a pena lutar, ser justo, errar e aprender com os erros. Um mundo mais humano, em que a cor da sua pele ou o quanto você gasta não seja o que determina se você vai ou não ter sucesso. Um mundo em que as pessoas respeitem as diferenças, com menos julgamento e mais amor.

Antonia, da conta Instagram @afrommeliere

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