Há muito tempo atrás, eu vi um post de um pai, onde ele dizia algo mais ou menos assim: as pessoas me perguntam como eu vou reagir quando meu filho me perguntar sobre homossexualidade. Meu medo mesmo é que ele me pergunte por que existem pessoas morando na rua. Quando li essas palavras, achei tão verdadeiras... Fiquei em choque por constatar a dificuldade de nossa sociedade em lidar com questões relativas sexualidade junto às crianças. Na minha vivência, sempre foi bem natural explicar que não existe caminho “correto” ou “errado” para viver o amor e o desejo, que minhas filhas poderão casar com meninas ou meninos se quiserem, desde que sejam felizes. Explicar outras coisas sobre o mundo, como a miséria, acho bem mais complicado. Até por não entender direito.
É significativo que ainda hoje, a ideia de explicar coisas que são naturais, como a sexualidade, para as crianças seja um tabu, enquanto naturalizamos a desigualdade, a miséria, a degradação do planeta, entre outros fatos que foram e são gerados por nós, humanos, e que colocam em risco o futuro delas. O que eu vou responder para as minhas filhas quando elas me perguntarem o porquê disso tudo? Por que não fizemos nada para mudar? Quando fazemos essa reflexão, é impossível não pensar que conversar com as crianças sobre a diversidade, sexualidade e LGBTQIA+, deveria ser como esses temas são na realidade e fora da ótica moralista e conservador: natural, leve e cheio de amor.
Educando para a tolerância: a urgência em falar com crianças sobre diversidade
No Brasil, a educação sexual, seja a realizada em casa ou na escola, ainda é um grande tabu. Embora hoje exista uma relação mais aberta e de mais diálogo entre pais e filhos, o sexo e a sexualidade são pontos que não são debatidos/conversados em muitos lares. E as coisas só pioram quando tratamos de crianças. Os motivos para isso são diversos e incluem até mesmo o medo de que ao falarem sobre a sexualidade com os filhos, os pais estariam incentivando os mesmos a práticas sexuais. Educação sexual não tem nada a ver com estimular comportamentos sexuais, mas sim possibilitar que o indivíduo seja capaz de vivenciar a sua sexualidade de modo saudável. A educação sobre a diversidade e a homossexualidade faz parte desse processo, permitindo tanto que crianças LGTBQI+ se compreendam e se aceitem, bem como que as crianças cis hétero compreendam a pluralidade da vida em sociedade e assim tornem-se adultos mais tolerantes, esclarecidos e sem preconceitos.
É fundamental reforçar que a cada hora um LGBT é agredido no Brasil. Ainda somos um país onde a homofobia pulsa e violenta. Mudar esse quadro depende de nossos esforços e das novas gerações que irão herdar esse mundo. A violência acompanha a vida das pessoas LGBTQI+ desde a infância em nosso país. Dados da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil de 2016 nos contam que 73% dos alunos LGBTs relataram terem sido agredidos verbalmente e 36% agredidos fisicamente. Sabemos, contudo, que ninguém nasce homofóbico. A homofobia é uma construção sociocultural. Quando estudantes do ensino básico praticam a violência contra seus pares apenas por esses serem LGBTs, estão reproduzindo o que lhes foi imposto e ensinado pelo meio heteronormativo e homofóbico em que vivemos.
É urgente ir contra essa lógica e conversar com as crianças sobre a diversidade, de modo a trabalhar o respeito ao próximo e aceitação das diferenças, compreendendo que não há apenas uma forma de existir no mundo, e que todas elas são válidas. Qualquer maneira de amar vale a pena, canta Milton. Enquanto mantemos velhos tabus e códigos morais reacionários, se recusando a aceitar a diversidade, vidas se perdem e potências são desmanteladas. Que tal ao invés disso nos espelharmos em iniciativas como a da Alemanha, onde a educação sexual é um dever do estado e discutida como política pública , ou da Inglaterra, que desde 2019, conta com temas LGBTs nas aulas de educação sexual?
Não há dúvidas de que, se houvesse o apoio da escola e outras instituições, seria muito mais fácil para os pais abrirem esse diálogo em casa. Contudo, enquanto essa não é uma realidade brasileira, é preciso fazer a nossa parte, educando para a tolerância. Em nosso blog já escrevemos sobre a importância da educação sexual. Confira aqui mais motivos, além do combate a homofobia, para te inspirar a quebrar esse tabu.
Como conversar com crianças sobre diversidade e LGBTQI+?
Nós sabemos: não é fácil a primeira vez que os filhos chegam com questionamentos sobre a diversidade. O pânico é comum nessa hora. Afinal, como saber quando e como é adequado tratar desses temas com as crianças? Devemos esperar que as crianças cheguem na adolescência para falar sobre sexualidade, diversidade, questões de gênero, etc? Ao contrário do que se acreditava anteriormente, que a sexualidade só deveria entrar em pauta nas conversas entre pais e filhos a partir dos 10 anos de idade, hoje é consenso que conversar sobre esses temas no dia a dia desde muito cedo, dosando linguagem e conteúdo de acordo com a fase do desenvolvimento é mais adequado. O interesse por temas ligados a sexualidade ocorrem em nós, humanos, desde muito cedo. É comum, por exemplo, que crianças de três anos já especulem sobre de onde vêm os bebês. Conforme se desenvolvem, se alfabetizam e descobrem o mundo, as dúvidas das crianças se multiplicam e tornam-se mais complexas.
É importante ressaltar que estamos em um momento de mudança. Embora a violência contra LGBTs ainda seja uma realidade, é inegável uma crescente presença de pessoas, casais e causas da comunidade na mídia nos últimos anos, assim como uma maior presença de corpos LGBTQI+ no dia a dia das cidades. Isso é excelente por diferentes motivos, sendo também uma oportunidade para conversar sobre o tema com as crianças. Lembre-se que quando uma criança ou jovem não obtém respostas satisfatórias aos seus questionamentos, ela busca outras fontes de informação, como a internet, com todos seus riscos e perigos. Só há uma forma de falar sobre a diversidade com as crianças: com naturalidade, respondendo as perguntas conforme eles forem sendo feitas, adequando a comunicação e sempre reforçando que é natural existirem diferentes formas de amar e viver nesse mundo.
Livros infantis que fogem da perspectiva heterossexual, mostrando que há mais de uma possibilidade de afetividade, surgem como uma boa ferramenta de apoio para essa construção diária. Alguns bons exemplos são:
- A princesa e a costureira, de Janaína Leitão;
- O Cavaleiro e o Lobisomem, Uma História de Coragem, de Alexandre de Souza Amorim;
- Fausto, O Dragão que Queria ser Dragão, de André Romano ;
- Meus Dois Pais, de Walcyr Carrasco ;
- Três Mocinhas, Cristina Villaça;
- Meu Maninho é Uma Menina, João Paulo Hersegel.
Além disso, hoje existe uma série de desenhos infantis que contam com personagens LGBTs, como: Steven Universe; She-Ra e as Princesas do Poder; Arthur; Clarence; Doutora Brinquedo entre outros.
As redes sociais também podem te ajudar nessa! Hoje no Instagram, encontramos perfis de crianças LGBTQI+ que falam sobre o assunto, mostrando que diversidade e identidade de gênero começam ainda na infância. Entre eles destacamos quatro: Maria Joaquina, Jaci e Gustavinho e Tahmyres Nunes.
Construir um mundo sem LGBTfobia e com respeito a diversidade é possível. Converse com seu filho sobre, apresente, eduque pelo exemplo e ajude a construir cidadãos tolerantes e capazes de romper com o ciclo de violência da heteronormatividade.
Vamos juntos!