Esse é um pensamento equivocado e que possui consequências nefastas, especialmente para as mulheres, que em uma sociedade machista e patriarcal precisam lidar ao mesmo tempo com a repressão de sua sexualidade e objetificação de seus corpos. A educação sexual é uma aliada para que haja uma relação mais saudável com o sexo e corpos e um menor índice de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejadas, violência sexual e assédio.
Em defesa da educação sexual
Pode parecer absurdo, mas ainda existem muitas pessoas que compram uma visão distorcida da educação sexual, acreditando que ela trata de ensinar e incentivar crianças e adolescentes a “fazerem sexo”. Ao negar o acesso a educação sexual, no entanto, o que se oferece ao jovem é que ele fale e aprenda sobre o corpo e as relações sexuais com seus amigos adolescentes ou com a tonelada de materiais pornográficos disponíveis na internet.
Pesquisa realizada em 2018 com jovens brasileiras apontou que 41% delas não falam de sexo com seus pais. E mais: muitas delas preferem procurar informações na internet a falar com um médico sobre o assunto. Assim, a ideia de que a educação sexual se mete em assuntos familiares cai por terra, uma vez que quando observamos a realidade, percebemos que o sexo não é assunto de família. O que é uma pena. Seria ótimo se todos os jovens se sentissem a vontade para falar abertamente sobre o assunto com seus pais.
Essa deficiência no diálogo e informação em casa tenta ser compensada com algumas ações de educação sexual nas escolas. Geralmente são dias dedicados ao tema ou tentativas de abordagens interdisciplinares. As ações, contudo, parecem deficientes. É preciso lembrar que o sexo é vida. Todos têm direito a ter uma vida sexual ativa, de qualidade, consciente e segura. O que só é possível com acesso à informação que permita conhecer e respeitar o próprio corpo, o corpo do outro, os riscos, formas de proteção e a naturalização do prazer.
Hoje no Brasil é possível perceber as consequências sociais da falta de educação sexual: o corpo das mulheres é visto como objeto, com altíssimos índices de violência e assédio; anualmente mais de 430 mil bebês nascem de mães adolescentes no país; entre 2004 e 2015 os casos de HIV entre jovens de 15 a 19 anos aumentou 53%. Uma criança e adolescente que tem acesso a uma boa educação sexual é capaz de fazer escolhas mais conscientes, lidando melhor com a sua sexualidade. Além disso, o conhecimento é fundamental para se proteger de abusadores.
Se desejamos construir um futuro digno para as próximas gerações, não podemos negar a eles acesso a educação sexual. É preciso deixar moralismos hipócritas de lado e compreender que o acesso à informação empodera, transforma, protege.
Educação sexual com qual idade?
Parte do tabu e resistência a educação sexual reside no fato de muitas pessoas compreenderem sexualidade com a realização do ato em si e das vivências eróticas presentes no mundo adulto. Assim, esse seria um tema inapropriado para a infância. A sexualidade, contudo, é um termo que diz respeito à identidade, autoestima, afeto, relacionamentos. Todos nós nascemos e morremos sexuais, independente de praticarmos sexo ao longo de nossa vida ou não.
Hoje sabemos que a sexualidade não depende da adolescência para florescer, evoluindo naturalmente em todas as crianças desde o útero. E os adultos cumprem um papel importante nesse desenvolvimento. Já nos primeiros anos de vida suas atitudes e ações irão influenciar seu filho sobre o assunto. Transmitimos nossos medos e crenças sobre a sexualidade o tempo todo, como por exemplo, no modo que lidamos com a própria nudez ou ao evitar palavras como vagina e pênis.
A educação sexual assim é um processo contínuo que acompanha as diferentes fases do desenvolvimento e o surgimento de dúvidas e curiosidades. Escolher não falar ou não abordar esse tema em casa é fazer com que seu filho busque outras fontes, nem sempre confiáveis. Não se feche a esse assunto, nem se esquive de perguntas. Por mais constrangedor que seja ouvir certos questionamentos, é importante mostrar que não existem tabus, adequando a forma e os conteúdos abordados de acordo com a idade. Tratar a sexualidade com naturalidade na infância e adolescente contribui para termos adultos mais bem resolvidos consigo mesmo e com seu corpo e capazes de tomarem escolhas conscientes e se protegerem.
É preciso lembrar, porém, que muitas mães e pais não estão preparados para conversar sobre o assunto com seus filhos. Seja por uma questão moral ou mesmo desconhecimento. Por isso, é muito importante que a educação sexual seja trabalhada na escola. Assim, o tema será tratado com a isenção e conhecimentos necessários, levando até o jovem uma abordagem diferente daquela a qual ele tem acesso com maior facilidade. Vale ressaltar que a educação sexual é particularmente importante para as mulheres. São elas as vítimas de abusos e violência e cujos corpos são objetificados. Ainda assim nos recusamos sobre falar sobre sexualidade feminina, ao ponto de que muitas mulheres sequer conhecem sua região íntima. No início de 2020 uma participante de um famoso reality show trouxe a tona mais uma vez essa discussão ao dizer que a urina saia do canal vaginal. Uma desinformação muito comum, infelizmente.
Sobre a violência a educação sexual tem um importante papel preventivo. Segundo especialistas, uma criança que sabe o que é o sexo está mais preparada para não ser uma vítima de abuso sexual – 9 em cada 10 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são cometidos por conhecidos da vítima, segundo estimativas da UNICEF.
A educação sexual e a periferia
Se a falta de acesso à educação sexual já especialmente prejudicial às mulheres, os efeitos são ainda mais sentidos quando expandimos o olhar para as regiões periféricas, onde os casos de gravidez na adolescência e violência sexual são mais frequentes. Não por acaso são esses mesmos jovens que contam com menor acesso a informação e a educação formal, confirmando mais uma vez a relação entre esses fatores. A desigualdade não apenas limita as oportunidades do indivíduo como é fator decisivo para um maior enfrentamento a violência e o desrespeito a dignidade.
É preciso fazer muito pelas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, sendo que fornecer acesso a educação sexual é uma das ações necessárias para proteger e empoderar esses jovens.
Falar sobre a sexualidade e disseminar a educação sexual é fundamental na construção de um mundo mais livre, igualitário, seguro e justo. Não é sobre o sexo erotizado. É sobre os corpos, e o entendimento de que todos eles devem ser respeitados. Vamos deixar o tabu de lado e fazer da educação sexual uma prática cotidiana. Quem sabe assim teremos jovens e adultos mais saudáveis, bem resolvidos e felizes?
Até a próxima!
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2 comentários
ranalle da Silva
Layanny Scarlett