Vale reforçar que um dos maiores impactos ambientais dos eventos de moda está relacionado ao deslocamento do público e imprensa para as cidades sedes. Os aviões são grandes emissores de CO2 e estudos mostram que mesmo uma viagem curta - por exemplo, de Londres a Edimburgo – emite mais carbono para a atmosfera do que uma pessoa em Uganda ou Somália anualmente.
Diante disso, o evento em Copenhagen, tem como meta aumentar seus esforços nas plataformas digitais para que a semana de moda escandinava possa ser acompanhada a distância. Hoje, com a pandemia, essa tem sido a solução adotada por produtores de diferentes segmentos para manterem seus eventos. E o caso da São Paulo Fashion Week, que comemora 25 anos em novembro e optou por cancelar os desfiles presenciais e apostar nos meios digitais. Embora as fashions weeks estejam longe de produzir o maior impacto ambiental provocado pelo setor da moda, os eventos sofrem questionamentos por seus excessos e de desperdícios, sendo alvo de ativistas.
Na última Fashion Week de Londres, foram registrados protestos da proeminente organização Extinction Rebellion. O grupo conquistou papel de destaque nas ações voltadas às mudanças climáticas no Reino Unido, tendo grande alcance entre os mais jovens – que estão à frente dessas mobilizações no mundo todo. É importante frisar, contudo, que a pressão sobre as semanas de moda não ocorrem apenas por agentes externos ao setor. Internamente há um crescente posicionamento pró-sustentabilidade, com questionamentos duros a antigas práticas. Diante desse cenário, uma pergunta parece inevitável: nesse momento da história, as fashion weeks ainda são necessárias?
As Fashion Weeks ainda são necessárias?
Na década de 1990 e de 00, as semanas de moda eram eventos grandiosos que conquistavam atenção do mundo, sendo parte importante da cultura pop. As quatro principais fashions weeks - Paris, Milão, Londres e Nova York - eram os palcos onde grandes estilistas e marcas das mais variadas desfilavam suas novidades e ditavam as tendências que dominariam um mercado que se tornava cada vez mais globalizado. Como parte do pacote, as supermodelos ganhavam status de estrelas mundiais e influenciavam padrões de beleza nos sete continentes, ao mesmo tempo em que as fashions weeks se espalhavam pelo mundo. Toda grande metrópole quis uma para chamar de sua.
Mas o mundo mudou. Não que as semanas da moda tenham deixado de ter importância, sua relevância, porém, parece diminuir a cada ano. Já não são mais o fenômeno de cultura pop que foram um dia.
Os motivos para essa mudança de status são variados. A expansão da internet e da democratização da comunicação, parece cumprir um papel central nesse movimento. Para toda uma geração, que consome informação de modo instantâneo, os desfiles luxuosos de outrora, soam exagerados e os padrões de beleza exigidos são questionados. Também não podemos deixar de lado a crise econômica de 2008 e a ascensão da austeridade, que contaminou não apenas governos como empresas. Corte de gastos e redução de custos tornaram-se expressões ainda mais comuns na década que está terminando. Não é a toa que presenciamos o aumento da precarização do trabalho. Não é a toa que os millenials são a primeira geração a ter menos renda que seus pais.
A pandemia COVID-19 parece ter sido mais um golpe para esse antigo modelo, forçando uma mudança de formato que já urgia. Aparentemente 2020 nos mostrou que muitas das coisas que acreditávamos indispensáveis, podem sim serem canceladas ou acontecer nos meios digitais. Se todo esse cenário social, sanitário e econômico feriu profundamente as fashion weeks, a questão ecológica poderia ser a pá de cal que encerraria a trajetória desses eventos. Afinal, a pandemia uma hora vai passar e ainda precisaremos lidar com as questões ambientais, A iniciativa de Copenhaguen, porém, muda o jogo e mostra que há alternativas. Especialmente, porque as semanas de moda ainda são muito importantes.
Semanas de Moda: o futuro das fashion weeks e a sustentabilidade
A importância para as semanas da moda para o setor parece ser inegável. É nesse momento onde as marcas e estilistas podem apresentar suas novas criações, tendências e conceitos para uma grande audiência. Os eventos ainda contam com um relevante impacto econômico e na geração de empregos. As Fashions Weeks de Paris, por exemplo, movimenta 10,45 bilhões de euros em vendas diretas para as marcas e criam cerca de 5.000 empregos a cada edição. Por fim, exista questão criativa. São nas semanas de moda pelo mundo que a moda se aproxima com maior profundidade da arte e escancara seu aspecto cultural e comunicacional, além de incentivar a troca entre os produtores. Diante disso, podemos afirmar que: sim, as fashions weeks são relevantes. Em um planeta em plena emergência climática, porém, os modelos dos mega eventos que reúnem pessoas do mundo todo precisam ser repensados – e essa realidade não se aplica apenas ao mundo da moda.
Vale lembrar que na Europa, no último ano, ganhou força os movimentos que defendem a redução de deslocamentos por avião, ou mesmo por qualquer veículo movido a combustão. A ativista Greta Thunberg, por exemplo, não utiliza mais o transporte aéreo. Como dissemos no início do texto essa é a grande pegada ecológica das semanas de moda, uma que vez que representantes do setor e da mídia, se deslocam de todas as partes do mundo de avião para acompanhar as edições mais relevantes. É preciso considerar também nos impactos, todo esforço empregado para montar as estruturas voltadas ao recebimento de milhares de pessoas e marcas em cada um desses locais, bem como a produção de lixo gerada durante o evento. Por fim, não podemos nos esquecer do custo ecológico necessário no desenvolvimento de peças, em especial naquelas que ainda se valem de materiais e fibras prejudiciais ao meio ambiente. Essa, porém é uma discussão mais ampla.
A iniciativa da organização da Fashion Week de Copenhagen e as edições digitais que vem ocorrendo ao longo de 2020 nos mostraram que é possível fazer diferente e ter ousadia nas metas de sustentabilidade.
Com o desenvolvimento da tecnologia e o avanço da velocidade de conexão da internet, por exemplo, não há qualquer necessidade de grandes deslocamentos. É possível ter presente o público local, enquanto os demais acompanham os desfiles pelas telas de seus dispositivos. A Armani, que conta com um das melhores reputações entre as marcas de luxo, fez isso em fevereiro de 2020, organizando um desfile sem plateia presencial. O público pode acompanhar tudo através de uma transmissão ao vivo pela internet. Além disso, hoje já existem alternativas viáveis para que a montagem de toda estrutura, bem como o evento em si, alcancem o lixo zero. Investimento e vontade de fazer diferente, contudo, são necessários.
Vivemos um novo tempo. O mundo em que crescemos está deixando de existir. Diante de um novo mundo e novos desafios, novas soluções precisam ser elaboradas. E essa é uma discussão que precisa fazer parte do mundo fashion. Inclusive, porque as semanas de moda são apenas a ponta do iceberg da pegada ecológica da moda: os tecidos são tingidos com petroquímicos, ainda há grande utilização de fibras sintéticas, os gastos de água e energia estão entre os mais altos da atividade econômica, fora a emissão de CO2 no transporte para distribuição das peças em um mercado mundializado. Quando falamos das marcas fast fashion, a situação se agrava ainda mais, somando-se ao impacto ambiental a exploração da mão de obras em países do sul global e a intensa produção de resíduos.
Assim, é urgente que todos aqueles envolvidos com o mundo da moda tomem consciência da urgência da questão ambiental e repensem, com criatividade, suas práticas e o próprio funcionamento desse mercado. Repensar as fashions weeks é importante, mas não basta. Que a iniciativa de Copenhagen de aplicar a sustentabilidade radical em sua semana de moda seja o início de um processo de mudança que atravessa também pelos modos de produção e consumo no mundo fashion.
Vamos juntos repensar o futuro?
Até a próxima!
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