Apesar de todo o desenvolvimento técnico e social ocorrido no século XX, a realidade que se esconde por trás de passarelas, coleções e vitrines, continuou a ser degradante para milhões de trabalhadores. Quando o fast fashion surgiu ainda na década de 1970, a necessidade de uma produção rápida e barata levou a um comportamento predatório em relação à mão-de-obra. Situação que piorou com o aprofundamento da globalização e a transferência de fábricas para países em desenvolvimento.
A Índia, com sua imensa população, baixo índice de desenvolvimento humano – o país ocupa a 130º posição entre 189 países no ranking da ONU – e grande tradição no plantio de algodão e produção têxtil, tornou-se um dos principais destinos de grandes marcas globais. Salários de U$ 0,15 por hora para jornadas de até 14 horas diárias – a jornada de trabalho oficial é de seis a oito horas e não há pagamento de hora extra - em locais sem a menor estrutura ou condições de higiene é uma realidade para muitos trabalhadores indianos. Vale ressaltar que a maioria das pessoas que trabalham nessas condições, prestam serviços para marcas dos Estados Unidos e Europa, que são corresponsáveis pelo problema ao exigir preços cada vez mais baixos de seus fornecedores.
Essa é uma realidade ignorada. A alienação do consumo é gritante no mercado da moda. Quase a totalidade dos consumidores não faz qualquer ideia como suas roupas são feitas e sob quais condições. Mesmo os materiais das peças só são conhecidos por quem lê etiquetas. Assim, as marcas de fast fashion aproveitam para superexplorar trabalhadores enquanto ocupam o posto de 3º maiores consumidores de água do mundo, emitem gás carbônico sem culpa e incentivavam as monoculturas impunemente.
Em 2013, porém, o castelo de ilusões do setor fashion ruiu. Literalmente e infelizmente.
No dia 24 de abril daquele ano, o mundo assistiu em choque um dos maiores acidentes industriais ligados ao setor de vestuário: a queda do Rana Plaza, em Bangladesh, enquanto mais de 3.000 trabalhadores têxteis cumpriam suas jornadas extenuantes. Os números da tragédia impressionam. Cerca de 1.130 pessoas tiveram suas vidas ceifadas, e outras 2.500 ficaram feridas, enquanto produziam roupas para marcas como Zara e Primark. Algo precisava ser feito. Algo tinha de mudar. A partir da iniciativa de marcas e indivíduos que já se lançavam sobre outra forma de produzir e consumir moda surgiu o Fashion Revolution Day.
Fashion Revolution Day: você conhece quem produz as roupas que usa?
Aqui vale um pano de fundo rápido: apesar do fast fashion ainda hoje ser predominante, o questionamento a esse tipo de moda barata, irresponsável e descartável não começou nos últimos dois ou três anos. Há mais de uma década movimentos dentro da moda, como o Slow Fashion, questionam esse modelo de negócio e se conectam aos princípios de sustentabilidade e consumo consciente, tão necessário em um mundo em emergência climática e com desigualdade ascendente.
Assim, quando a tragédia na Índia ocorreu, já havia um acúmulo de discussão e atores dispostos a levantar sua voz e agir contra esse modo de produzir vestuário que tanto impacto negativo produz.
O Fashion Revolution Day é realizado, desde 2013, todo dia 24 de abril, e tem como um dos objetivos disseminar informação e conteúdo para realizar uma mudança profunda no universo da moda. As responsáveis por dar o pontapé inicial na iniciativa são Orsola de Castro – que contruiu uma carreira voltada à moda ecológica e ética – e Carry Sommers – fundadora da Pachuti, marca de moda ética fundada por ela em 1992.
Em um mundo digital onde as fronteiras são cada vez mais tênues, não demorou para que o Fashion Revolution Day ganhasse o mundo. Lembra quando falei que há tempos uma galera questionava a forma de produzir e consumir moda? Pois é! Hoje diferentes países contam com uma sede do movimento, inclusive no Brasil. Já já falo mais sobre como o movimento anda por aqui.
Uma das principais iniciativas que acontecem no 24 de abril promovida pelo movimento ocorre nas redes sociais, essa potência de comunicação e conectividade. Cada pessoa deve postar fotos da etiqueta de sua roupa nas redes com a mensagem: “Eu quero agradecer as pessoas que fizeram minha roupa @marca #quemfezasminhasroupas ? #whomademyclothes #FashRev”
A ideia é aproximar os consumidores dos produtores, pressionando as marcas para que ofereçam condições dignas a quem é responsável por dar forma a seus produtos e evitar que novas tragédias se repitam.
E no Brasil? Como anda o Fashion Revolution Day?
O crescimento do consumo no Brasil na primeira década desse século fez do país um terreno fértil para o desembarque de novas marcas fast fashion, que se somaram as nacionais. Vale ressaltar, porém, que os preços praticados por aqui estavam longe de ser “baratos”. Isso significa que muita gente pagou - e paga - caro por produtos com qualidade duvidosa e sem qualquer preocupação socioambiental.
Esse cenário vem mudando. Já publiquei por aqui um artigo sobre o slow fashion no país , inclusive com várias indicações de marcas para você conhecer e se apaixonar. Ainda assim o setor da moda no Brasil também é problemático. Em São Paulo, os casos de exploração de imigrantes bolivianos em oficina têxteis são bem conhecidos. Vale reforçar que reportagens de 2011 já falavam sobre essa situação.
A chegada do Fashion Revolution Day Brasil foi mais que bem vinda! E suas ações não se limitam ao ambiente digital. No final de 2017, ativistas do movimento começaram a criar o Fashion Revolution Fórum, que pretende ser um ecossistema para unir pessoas e organizações que acreditam que a moda pode gerar mudanças positivas e se alinhar aos princípios de sustentabilidade.
A primeira edição do evento ocorreu em 2018 e foi um grande sucesso, que se repetiu em 2019 . Você pode ficar por dentro de tudo o que foi discutido no ano passado através desse e - book publicado pelo Fashion Revolution . É um material rico, com muita informação de qualidade sobre os mais variados eixos que compõe esse movimento.
O Studio Pipoca apoia essa iniciativa! E como poderia ser diferente? Afinal, esse é um dos nossos princípios! Ao longo dessa semana, vocês vão conhecer quem são as pessoas que dão vida as nossas peças e ao meu sonho de ter uma loja de moda ética voltada para toda a família.
Ah! Mas não deixe de cobrar as outras marcas que usa hein? Poste as etiquetas é questione: #quemfazasminhasroupas ?
Vamos juntos?
Gostou desse post? Então não deixe de conferir os outros artigos aqui do nosso blog que também abordam o tema da Moda: como repensar as Fashion Weeks e a crise da fast fashion.